Christiany Fonseca

Junho chegou. Coraes invadem vitrines, restaurantes oferecem jantares luz de velas, propagandas vendem a promessa do amor eterno em dez vezes no carto. Mas por trs desse verniz romntico, uma realidade pouco celebrada. o Brasil nunca teve tantos solteiros e nunca se divorciou tanto.

Segundo dados do IBGE de 2022, j h mais brasileiros solteiros do que casados. E os divrcios se multiplicam, escancarando um paradoxo: enquanto o comrcio insiste no casal feliz de comercial de margarina, a vida real revela laos cada vez mais frgeis, ageiros, e um nmero crescente de pessoas que escolhem (ou so empurradas para) a solido.

O mito do amor romntico e a realidade lquida

Amamos a ideia do amor. Torcemos pelos casais nos filmes, vibramos com reencontros impossveis, desejamos finais felizes. Mas, no cotidiano, nossas relaes no seguem esse roteiro. Os vnculos so curtos, os afetos instveis, os encontros rarefeitos. O amor virou, muitas vezes, um produto com prazo de validade e, como todo produto, quando no agrada, descartado.

O socilogo Zygmunt Bauman chamou isso de “amor lquido”: relaes que escorrem pelas mos, sem consistncia. Assim como os produtos de consumo, se no agradam, trocam-se. Quando a relao deixa de proporcionar satisfao, ela se desfaz, analisou Bauman. A lgica do consumo invadiu o territrio do afeto.
“O amor moderno uma armadilha: exige compromisso, mas desvaloriza a permanncia.”. Uma frase curta dele, que diz muito sobre as relaes do sculo XXI. E ela no veio sozinha.

Swipe, like, next: a esttica da pressa

E a surgiram os aplicativos de relacionamento — Tinder, Bumble, Happn, Inner Circle, entre outros. Mas vejam, eles no inventaram essa lgica das relaes frgeis; apenas a colocaram na palma da mo. So vitrines de pessoas organizadas por geolocalizao, onde se busca de tudo: sexo casual, namoro, um crush para conversar ou s ar o tempo numa segunda-feira a noite.

Desliza-se para o lado, julga-se uma vida por uma foto, uma bio e talvez uma mensagem. A oferta infinita, e com ela, a iluso de que o prximo perfil pode ser melhor. Mas quanto mais possibilidades, menos profundidade. E quanto mais conexes, maior o risco do esvaziamento.

Mesmo quem no est nos aplicativos de relacionamento vive sob o mesmo princpio. As redes sociais, de modo geral, nos conectam o tempo todo. Um like no Instagram, uma curtida despretensiosa, uma mensagem que comea no WhatsApp s 22h. A tecnologia encurta caminhos, mas tambm empobrece os vnculos. Facilita o encontro, mas dificulta a permanncia.

Conexo no sinnimo de vnculo

Nunca estivemos to conectados. Nunca estivemos to ss.

Vivemos num tempo em que o “oi, sumido” substituiu a saudade, e o ghosting, desaparecer sem explicaes, virou prtica corriqueira. Fugimos do desconforto, da entrega, da vulnerabilidade. Amamos com o p atrs. Com medo de parecer carente. Com medo de sofrer.

Queremos a intensidade das histrias que assistimos nas telas, mas escolhemos relaes que no exigem profundidade. Buscamos laos duradouros com hbitos descartveis. No fundo, cultivamos um ideal romntico com prticas emocionais de fast-food.

Um pas que desaprendeu a amar?

O Brasil dos solteiros talvez no seja apenas um pas de gente que desistiu do amor. Mas um pas exausto. Cansado de investir em relaes frgeis, ferido por expectativas irrealizveis, saturado pela performance afetiva exigida pelas redes.

O Dia dos Namorados vai ar. Com ele, as promoes, os buqus e os jantares. Mas a solido, essa continua ali, firme, no silncio do quarto, na ausncia de uma presena real, mesmo depois de postar a melhor foto no Instagram. Porque nenhuma curtida preenche a falta de um olhar que acolhe. Nenhum stories disfara o vazio de um amor que no veio ou que no ficou.

No pas dos solteiros, amar talvez seja um ato subversivo. No por ser piegas, mas por exigir coragem. Coragem para ficar. Para insistir. Para no fugir na primeira crise.

No Brasil dos solteiros, amar no conto de fadas. ato poltico. pele exposta. risco. coragem. E s quem tem coragem topa!

Christiany Fonseca professora efetiva no IFMT, doutora em Sociologia e cientista poltica.